
Hoje o meu coração está no Brasil. É um dos dias mais difíceis da sua história.
É com uma certa nostalgia que me vêm à memória tantas figuras daquele belo país que contribuíram para o alcance da democracia e pugnaram persistentemente pelos direitos sociais e políticos de todos os cidadãos.
Lembro-me de tantos irmãos que já cá não vivem e deixaram um bonito legado de humanismo e de coerência. Uns sobreviveram à cruel ditadura militar, como o amigo Alípio de Freitas (entretanto falecido), mas outros morreram nesse período tenebroso e outros tantos dos quais nem sequer há a confirmação do seu óbito.
Recordo-me de Paulo Freire e de Jorge Amado, de D. Hélder da Câmara e de D. Paulo Evaristo Arns, de Nara Leão e de Carlos Drummond de Andrade, de tantos e tantos cujos nomes estão inscritos na memória da coragem e do sofrimento na neblina de outrora, que se vislumbra e nos assusta.
Assim, e porque falei aqui de uma das referências decentes do Brasil, D. Hélder da Câmara, reproduzo um poema meu a ele dedicado e publicado em livro, em 1992.
Viva a Democracia!
D. Hélder da Câmara
– Poema Violência Zero
(As Pedras)
As pedras pontiagudas teceram armas
no compasso do tempo horizontal.
Mataram revoltas justas. E injustas,
as estradas circulares da vida.
Suicidaram-se os peitos das amas
na abundância da carne imóvel…
Saltitam mortos ao som das aves
– e os sinos da igreja trocaram
cintilantes as portas à chave.
Se as revoltas eram justas
e injusta era a vida,
por que razão as Pedras
– as pedras e as armas! –
não serviram de guarida?
“Vertentes da Mesma Luz” (1992)
José Carlos Pereira